sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Sem meu eu


Essas manhãs frias de junho, de céu cheio de serração, que mal posso ver os prédios a um quarteirão de distância, fazem-me lembrar dos carreadores de cana, ainda de madrugada, quando um caminhão de bóia-fria chegava em Lençóis Paulista, misturando-se com os poucos moradores da fazenda que ainda resistiam ao êxodo rural. Enquanto o pessoal se organizava ao longo do carreador, pendurando suas matulas de almoço em alguma árvore, deixando na sombra o corote de água ou a moringa – pois ainda não havia garrafas térmicas –; enquanto amolavam os facões, aparecia um puxa-saco que saía à frente contando as ruas de cana, de três em três e colocando à disposição do infeliz explorado.

Essas insólitas lembranças em minha mente misturam-se com o eco do telejornal da noite anterior falando de mais um massacre contra os Sem Terras.


Pessoas sem esperanças,
sem passado, sem lembranças,
sem histórias pra contar.
Só tristeza e desencanto.
Os massacres já são tantos,
sou um sem pranto pra chorar.
Sem Deus para proteger,
sem justiça pra julgar,
o Estado dá o parecer
e terras pra enterrar.
Sofre meu corpo sem alma
que há tempo desvaneceu.
Sofro junto aos sem nada,
sou um corpo sem meu eu.

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