Como a luz de um vaga-lume
pontilhando a escuridão,
a vida do preto véio,
vergonha de uma nação.
As marcas que traz no corpo,
herança da escravidão,
seu olhar inebriado
abre as covas do passado
de antigas gerações.
Fala do grande inimigo
que deixou marca dolorida.
A cicatriz ainda sangra
em sua face franzida.
Construiu a sociedade,
obra não reconhecida.
Os preconceitos do mundo
ainda pesam como chumbo,
dor até hoje sentida.
Na saliência da raiz
de uma paineira centenária,
onde o preto véio senta
contando historias lendárias
enquanto o sol no horizonte
se reveste de mortalha,
me fala do seu passado.
É como um filme dublado
de um herói e um canalha.
O preto véio contava
que com o fim da escravidão
foram jogados nas estradas
por vingança do patrão.
O preço da liberdade
foi fome, frio e sezão.
Sem destino pra chegada
arrastava-se pela estrada,
essa negra procissão.
Entre os pios de corujas
e suas gargalhadas roucas,
falava de uma assombração:
muita gente em longas roupas
à noite, diz que ele via,
na estrada em romaria
os negros em vestes roxas.
CENA BAURUENSE
Há 4 horas