segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Canaviais

          Eu nasci nesse campo seco do cerradão de Bauru, já no segundo planalto paulista, longe das ondulações geográficas que nos separam do oceano. Aqui o vento chega sem umidade e sem maresia, cabe às lágrimas umedecer os meus olhos e, ao amargor das minhas lembranças, corroer minha alma. Ainda criança, tive a mamadeira adoçada com a fuligem dos canaviais. Meu principal brinquedo foi o facão afiado que, além da cana, decepava também minha infância e feria de morte meu futuro.

           Eu conhecia como ninguém a fauna e a flora do cerrado. Cresci à sombra dos ipês, dos angicos e das copaíbas até me sentir grande diante dos arbustos menores como as gabirobas, os cajus do campo e o marolo rasteiro. Sabia o nome popular de cada árvore, conhecia o sabor das folhas, sabia identificar os animais pelas pegadas que deixavam nas trilhas claras do areião do cerrado, os piados das aves e seus bater asas me eram familiar.

           Como se fosse um cortejo fúnebre assisti, resignado, as mudanças de tudo que me rodeava. Contei uma a uma cada arvore que foi brutalmente empurrada para as caieiras, onde eram queimadas como corpos inocentes em cerimônia de cremação coletiva. Como criança medrosa contei baixinho até não saber mais. Foram centenas de espécies de animais e aves, plantas que curavam e outras que davam frutos.

          Sentindo-me impotente diante da insanidade dos “bem sucedidos” virei as costas à tudo e busquei cuidar da minha sobrevivência. Hoje sou como ave que sobrevoa um descampado em busca de uma árvore para pousar. Sou um homem aprisionado na vastidão da cidade grande. Sou um animal assustado rodeado de canaviais.

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