segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Anseios da alma

Minha alma anseia correr os campos,
levar aos trancos um corpo alquebrado
para campear em longas caminhadas
ou cavalgar, correr os prados.

Qual jovem forte e destemido
ouvir as águas em seu murmurar.
Cruzar os rios empedernidos.
Ouvir cães latindo a me acompanhar.

Lançar canoas nas cachoeiras.
De beira a beira nadar nos rios.
Sentar sozinho à sombra dos matos
ouvir dos pássaros cantos e pios.

Voltar pra casa feliz, cansado.
Ver desmaiado o sol a se pôr.
Ouvir no rádio modas de viola
que me consolam e falam de amor.

Que sonho bom, hoje desvanecido
por mim foi vivido em áureos tempos.
Hoje meu corpo de tudo carece,
já não obedece meus pensamentos.

Sob as marquises

Numa dessas noites frias de inverno úmido, a garoa gelada caía como espadas pontiagudas sobre os transeuntes. Sob a marquise de um "point", um mendigo entrouxado em trapos aguardava o nascer do sol. Seu olhar era fustigado por uma luz de néon colorida que lhe recomendava insistentemente: "Tome coca-cola bem gelada".

domingo, 14 de novembro de 2010

Heráclito

Nos plácidos cristais de caudaloso rio
banhava Heráclito, o gênio grego.
No frescor do banho elaborava desafios
trazendo para nós desassossego

Evolve-se o rio em correnteza
que se desfaz em ondas no oceano
enquanto o professor tinha certeza
seria areia junto ao mar mediterrâneo.

Em plena ágora repleta de pensadores
onde o gênio chafurdava em teorias,
insensível aos escravos trabalhadores

o gênio não previu o que ocorreu:
Tudo, a todo instante mudaria
mas o povo em escravidão permaneceu.

sábado, 13 de novembro de 2010

Casinha florida

Estradão vermeio empedrado
barranco arto nos dois lado
até dobrá o espigão.
Na direita de quem sobe
tem uma capelinha pobre
e uma cruz fincada no chão.

Tem uma cipoada florida,
uma imagem descolorida
de uma virgem milagrosa.
Tudo isso representa
uma história triste e sangrenta
e uma cena dolorosa.

Dizem que Margarida,
muié bunita e atrevida,
parecia mesmo uma flô.
Zombava da rapaziada,
pois todos a cortejava
pra mordê do seu amô.

No meio da rapaziada
um que de fato lhe amava
sonhava com Margarida.
E no sonho ele e ela
numa casinha singela
toda enfeitada e florida.

Aconteceu certo dia
o que Leoné mais queria
a mió das ocasião.
Margarida tão viçosa,
sorridente, toda prosa
na barraca de quentão.

Leoné já de alma inquieta
também estava na festa
e dos outro se apartô.
Eu vou me enche de quentão
pra encorajá meu coração
e falá com meu amô.

E se enchendo da bebida
oiando pra Margarida
foi desfiando essa prosa:
Eu gosto tanto do cê
mas nunca pude dizê
devido a minha nervosa.

Margarida assim que ouviu
oiô pra ele e se riu:
Credo em cruz discunjurado
não quero nada co cê
pode pará de bebe
que cê já tá embriagado.

Quesse desprezo no peito
se afastou meio sem jeito
metro e meio da barraca
tremendo co a mão na cintura
alvejando a criatura
em meio ao fogo e fumaça.

Dispoi dessa confusão
rumó lá pro estradão
gritando em desatino.
Dizendo amá Margarida
botô fim na sua vida
selando o seus dois destino.

E lá no fim da subida
a capela construída
onde Leoné se matô
parece uma casinha florida
como ele sonhô em vida
pra morá com seu amô.

O verbo

E a carne se fez verbo
depois fez-se o verso
e o poeta viu que tudo era feio
e fez-se a poesia.

O ar seco do cerrado,
o sol sereno do inverno,
o povo e o pó da periferia
confundiam-se numa nuvem de miséria
que pairava entre o céu e a terra
da zona norte que sofria.
Como numa inversão térmica
nossa república mensaleira
inverte os valores, sufoca a cidadania.

O analfabetismo.
O desemprego.
A infância desassistida.
A fome em fim já tem cor, quem diria?
Nossa esperança outrora descolorida
hoje é verde e amarela, a cor da falsa alegria.
E ai já não era mais a carne,
mas a pele
os ossos
que vibravam e retorciam se fizeram verbo.
Verbo na primeira pessoa do singular: eu sofro.

Tu sofres.
Ele sofre.
 
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